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Foto do escritorAndira Monteiro

Princesas têm pelos

Atualizado: 9 de mai. de 2021



E pasmem, todas têm! Até as que não se consideram princesas (o que não há nada de errado). O título, caros leitores, não foi escolhido à toa. Na verdade, a frase é mais que um título, é uma hashtag que viralizou nas redes há alguns anos atrás.


#LesPrincessesOntDesPoils, que traduzindo para o português, se transforma na frase que

ilustra o título desse texto. A ideia original é da fotógrafa francesa Adele Lobo, que, aos 16

anos, sofria ataques de bullying no colégio por ter optado não depilar os pelos do corpo. Anos depois, ressentida com a história, Adele lançou essa campanha virtual que ganhou o mundo e encorajou mulheres de diversas nacionalidades a cometerem um ato que, hoje, para os olhares mais conservadores, é considerado um absurdo.


Em pouco tempo, o Instagram e o Twitter lotaram de fotos de mulheres de diferentes corpos e idade com a única intenção de mostrarem os seus pelos, e também, de reforçarem que sim,

mulheres têm pelos e isso é completamente normal. Apesar do assunto ter ganhado espaço

nas pautas feministas e de mais mulheres decidirem se libertar da depilação por pura e

espontânea vontade, o assunto “pelos femininos” ainda é um questão bem cabeluda nas

cabeças mais “fechadas”.. Por isso, antes de embarcar na resposta para pergunta que algumas pessoas devem estar fazendo agora, como, “mas deixar os pelos crescerem não é falta de higiene?” ou outros tabus, convido vocês a, antes de tudo, conhecer realmente se a

abominação aos pelos femininos sempre existiu na história, ou se a prática surgiu com a

chegada da sociedade contemporânea.


Gostando ou não, o tema já movimentou muita polêmica na internet e tange em questões

importantes sobre o corpo feminino, como representatividade, machismo e aceitação.


HISTÓRIA


O ato de remoção do pelos corporais como fins estéticos é bem antigo, na verdade. Em um dos programas do podcast “The Why Factor” da BBC, que traz temas curiosos da história da

humanidade, a estudiosa britânica especialista da Idade Antiga, Frances Borzello, afirmou que

textos encontrados da época do Egito Antigo relataram a prática como algo comum em ambos os sexos, sendo o ritual feito em tiras de tecido ou de pele de animais banhadas em cera quente.


Foi apenas no período da Grécia Antiga (630 anos depois!), que a seletividade da depilação

corporal passou a ser uma obrigatoriedade das mulheres. No mesmo programa, a

pesquisadora chama atenção pelo fato das esculturas femininas da Antiguidade Clássica,

oriundas daquele tempo e vistas como a representação da “beleza púdica”, sempre

posicionavam as mãos cobrindo as genitália. Claro, sem nenhuma presença de pelo. Enquanto as esculturas que retratavam os homens, não pareciam demonstrar nenhum problema em expor as partes íntimas, que aliás, consistiam em uma quantidade, apesar de pequena, de pelos.


E é a partir desse trecho da história que a sociedade começa a transformar os pelos em

marcadores de gênero, e normatizá-los aos homens, associando-os à virilidade, enquanto, nas mulheres, simboliza a falta de higiene básica, sexualidade, e até desrespeito. O que a gente sabe, que perdura até hoje, mesmo com o crescimento do assunto em grupos e correntes feministas. Apesar de serem épocas totalmente distintas, o renascentismo e o século XIX caracterizaram-se por reforçar arduamente o padrão da “mulher livre de pelos” como parâmetro de beleza e o único aceitável.


E aqui?


Quem já ouviu histórias de estrangeiros, sabe que, às vezes, eles adoram tocar no assunto do

nosso jeitinho específico de remover os pelos corporais, que tem até nome: “Brazilian wax”, ou depilação brasileira. Algumas clínicas de estética, de depilação e salões de beleza em outros países adotam o serviço de depilação brasileira como uma forma de oferecer para a cliente a retirada de todos os pelos pubianos. Basta uma rápida pesquisa pra descobrir que, na verdade, a prática nasceu em Nova York, nos EUA, e não no Brasil.


Indo de contramão aos estereótipos, a criativa Isabelle Nunes percebeu na adolescência que

retirar os pelos do corpo não era uma escolha tão sua. “Eu comecei a não ver sentido e notar

que nunca era algo que eu fazia por livre e espontânea vontade, mas sempre pelos outros.

Aquilo me machucava e não me dava prazer”.


Aos 22 anos e livre de padrões, Isabelle ou “Isb” como costuma ser chamada, não tem medo

de mostrar nas redes sociais a decisão que fez aos 15 anos. Depois de viralizar em um vídeo

do Tik Tok por aparecer com as axilas livres, ela conta como costuma lidar com a reação das

pessoas e, principalmente, com os comentários negativos a respeito do seu corpo.


“Já faz alguns anos que eu entendi que isso faz parte de um processo de maturidade e

consciência dos outros. Por isso eu não me atento aos comentários porque eu sei que é uma

imposição que faz mal ao meu corpo. Hoje em dia eu lido bem, mas no começo não foi tão fácil porque estava na adolescência me reeducando em diversas questões”, comenta.


Respeitar quem eu sou e o que eu quero no momento. É assim que Isb resume todo esse

processo, que também considera como um ato político. “As nossas regras sociais introduzem

de maneira incisiva e comum a violência mental contra a mulher, machucando o nosso corpo.

Pra mim, o fato de eu estar bem comigo mesma e passar por toda essa reação negativa já é

um ato social”.


Com pelos ou sem pelos, o bem-estar ao todo é o topo das prioridades, mesmo que isso

signifique ultrapassar ou quebrar paradigmas pouco falados. A reflexão que fica é: o que

exatamente é escolha sua ou imposição?

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