
A sensibilidade e a força do corpo feminino captados através das lentes. A intenção de
transmitir a quebra de rótulos como ponto central de um retrato. No século da liberdade
de expressão, os conceitos de empoderamento e feminismo começam a abrir portas
para a diversidade de corpos, cores e ideias. Fotógrafas, as alagoanas Amanda
Bambu, de 25 anos, e Natie Melo, de 23, caminham na direção contrária dos “padrões
ideais" impostos, e utilizam a arte para destacar a naturalidade de ser mulher. Com
retratos publicados no site da Vogue Itália as duas aceitaram compartilhar com o “Ela
Diz” todo o processo de visualização da fotografia como forma de emancipação.
DESCOBERTA
Há um ano e meio, Nathália Melo, ou “Natie”, como é conhecida nas suas redes
sociais, enxergou a foto como um meio de transformar a força feminina em arte. A
própria vivência pessoal e a constante descoberta como mulher, como ela mesmo
gosta de dizer, despertou a vontade de retratar o poder e a importância da
auto-aceitação no universo feminino. As fotos, que costumam ser postadas no seu
perfil profissional do Instagram, costumam enquadrar mulheres de diversos biotipos,
ligadas, quase sempre a elementos da natureza.
A inspiração, oriunda de filosofias feministas, ajuda a construir o conceito dos seus
ensaios. “Desde cedo eu comecei a ver no feminismo essa força, e, mais
recentemente, com o sagrado feminino, também enxerguei a magia de ser mulher.
Estar entre mulheres passou a ser algo bastante marcante pra mim, e foi isso que me
levou à fotografia feminina, estar entre elas, observando-as como são e também como
sou”, diz.
O processo é lento e delicado, e Natie explica como o machismo impõe alguns
obstáculos nesse trajeto. “A vida inteira as pessoas nos ensinam como não ser mulher.
Somos levadas a reprimir nossos corpos e a desconhecê-los cada vez mais.
Bloqueamos nosso ciclo menstrual, buscamos a todo custo a perfeição física
condicionada a um padrão midiático e social. O retrato feminino com quem trabalho é
sobre conhecimento, e requer sensibilidade para entender de onde partir e até onde
podemos ir para que seja uma experiência positiva na vida da mulher fotografada”,
explica.
Já em preto e branco, os retratos da alagoana Amanda Bambu também buscam
transmitir a verdade que não se vê tanto por aí. Quase sem manipulação de imagem, a
fotografia dessa artista é marcada por paletas de cores que variam em tons neutros e
suaves.
Com quase 8mil seguidores no instagram, Bambu é praticamente a maior referência
em fotografia intimista no estado. Assim como Natie, ela estampou algumas de suas
produções no site da Vogue Itália, que abre espaço para fotógrafos do mundo inteiro
enviarem suas obras e esperarem uma publicação no portal de uma das maiores
revistas de moda do mundo.
Também ligada ao movimento do Sagrado Feminino, o estilo de vida que busca a
compreensão da essência feminina - Amanda menciona a vertente como um “norte” na
construção do seu trabalho.
“O interesse de relacionar com o sagrado surgiu no meu processo de despertar para a
espiritualidade, e, conforme eu ia produzindo, as minhas clientes iam aparecendo com
finalidades bem parecidas para mostrar o seu processo pessoal de empoderamento,
seja nos retratos mais introspectivos, sensuais, nus ou nos mais convencionais”, relata.
Se enxergar nas clientes é uma das maneiras que ela encontrou para lidar com uma
abordagem de fotografia tão delicada e íntima. Nesse caso, o acolhimento da retratada
é redobrado, já que, como a artista diz, a fotografia tem poder na construção do
autoconhecimento.
“A fotografia é um dos elementos que pode auxiliar na autoestima, que contêm um
processo interno e subjetivo. A força de um retrato está muito relacionada com a
subjetividade de cada mulher, no nível de abertura que ela tem para se enxergar como
um ser repleto de qualidades, mesmo fora do padrão imposto”, explica.
Reinvenção é a palavra-chave que praticamente revolucionou o panorama da fotografia
no mundo inteiro em plena pandemia de covid-19. E com as duas fotógrafas não foi
diferente. Os autorretratos foram uma forma não só de continuar praticando e expondo
os seus trabalhos, como também de descobrir novos ângulos e perspectivas, já que a
posição era não só como fotógrafa, mas também como fotografada.
Bambu conta que o processo foi delicado no início, mas que a experiência a ensinou
novas formas de criar, já que, dessa vez, todos os elementos eram limitados. “Meu
mecanismo de fugar foi estudar, testar novos olhares, buscar maneiras de não parar. Já
para Natie, essa “pausa” na rotina como ela estava acostumada, teve também alguns
pontos positivos. “Ser artista tem disso de precisar de inspiração para trabalhar, e
acredito que essa inspiração que buscamos se encontra dentro de nós mesmos e dos
nossos processos interiores”. Nesse tempo, as duas executaram trabalhos no meio
virtual, como “vakinhas”, para arrecadar fundos com sorteio de obras, os famosos
ensaios por “videochamada”, entre outros.
Na realização dos autorretratos, que foram aderidos pelas duas artistas, a experiência
foi tão intensa que ambas resolveram se juntar e espalhar o modelo de fotografia que
tomou conta durante a quarentena. A oficina “Meu Corpo Nu”, que viria a ser chamada,
mais tarde de “Criar-se”, se tornou uma iniciativa online para manter a criatividade viva
nos dias de isolamento e continuar compartilhando ideias. Dessa vez, com pessoas de
diferentes regiões do Brasil, conta Nati, que ficou à frente do projeto.
“Foram iniciativas muito importantes porque antes da pandemia acontecer eu almejava
realizar trabalhos do tipo de forma presencial, e de certa forma a necessidade de
trabalhar online fez com que eu descobrisse e organizasse esses conteúdos e pudesse
compartilhar disso de forma bem expansiva”.
As oficinas continuaram com a essência da fotografia intimista, mas dessa vez, a
atenção era toda voltada para o corpo da participante, com técnicas e orientações de
como captar momentos sensíveis de si mesma e “despertar a energia criativa
feminina”, como consta no slogan do projeto. Com duas edições em 3 dias cada, os
encontros online chegaram a atrair mais de 100 alunas.
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